A Caixa de Talco Promessa

* Por Eva Alda Medeiros Cavasotto – Professora e Psicopedagoga

   A crônica de Carpinejar sobre “Presentes de Segunda Mão” (ZH/ março /2022) me fez voltar no tempo da minha adolescência, quando um fato que se repetia no meu bairro nos fazia rir. Vale lembrar que, nessa faixa etária, não é difícil achar graça das coisas que se passam ao alcance dos nossos olhos. Éramos jovens, não conhecíamos internet, nem celular. Tínhamos o hábito de nos reunir no final da tarde, depois da escola, para conversar na frente das nossas casas, num bairro bem conhecido de Porto Alegre, que hoje nem lembra da tranquilidade em que vivíamos ali.

   Uma das garotas do nosso grupo era filha de um casal dono de um bazar que ficava na esquina em frente à casa onde eu morava, onde poderiam ser encontrados presentes de aniversário para qualquer idade ou sexo, tal a diversidade de mercadorias que tinha no Bazar do seu Paolo e de dona Ângela. Eles tinham um casal de filhos que se chamavam Pietro e Marina.

     Naquela rua, tinha muitos moradores de descendência italiana. Entre eles, havia duas senhorinhas muito amigas, Felícia e Gema que moravam com a distância de uma quadra uma da outra. As duas andavam sempre juntas para ir à missa ou passear no parque do bairro.
Numa das tardes que estávamos ali jogando conversa fora, vimos dona Gema passar apressada com uma sacola na mão e entrar no bazar da dona Ângela. Então, Marina, que pertencia ao nosso grupo, nos chamou atenção e disse:
-Olha, lá vai dona Gema comprar um presentinho para dona Felícia que está de aniversário. Pra falar a verdade, ela vai fazer de conta que vai comprar: ela olha tudo o que tem no bazar, caminha dentro da loja, depois diz para o meu pai:
-Que pena! Não encontrei nada que me faz pensar que Felícia vai apreciar. Vou ter que dar mesmo essa caixa de talco Promessa que sei que ela gosta de usar. Seu Paolo, será que o senhor pode fazer um pacote de presente bem bonito para eu dar para a Felícia, que está de aniversário?

   O meu pai, que já estava esperando por esse pedido, respondeu tentando ser gentil:
-Dio Santo! Ângela, venha cá fazer esse pacote de presente para a Dona Gema, mas no me gasta todo o papel de presente, hein?!
   
  Dizendo isso, ele se afasta e minha mãe, que é devota de Nossa Senhora.Com medo de desagradá-la, atende dona Gema com muita paciência e carinho.
 
   Dona Gema saía do bazar toda sorridente, levando na sacola o pacote de presente de aniversário para Felícia.
 
   O curioso disso tudo é que alguns meses depois, é dona Felícia que vai ao bazar dos pais de Marina e promove uma cena semelhante, sem antes tentar distrair o casal, falando das belas lembranças da Itália que os fazem rir e até emocionar-se. Depois que estão naquele clima de alegria e emoção, a velhinha pede com muita simpatia, para o seu Paolo fazer um pacote de presente da mesma caixa de talco, que recebeu de Dona Gema, para oferecer de presente para a amiga, que vai receber de volta o presente que há meses havia dado para a dona Felícia.

   O que Marina nos contou é que essas duas senhorinhas repetiam essas cenas ano após ano, o que para os seus pais não era mais surpresa e até se divertiam, com a pureza daquela amizade que lembrava uma infância tardia.

* Eva Alda Medeiros Cavasotto é Professora e Psicopedagoga / E-mail: evamcavasotto@hotmail.com