A difícil arte de ouvir

* Por Eva Alda Medeiros Cavasotto – Professora e Psicopedagoga

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    Um dia você percebe ao assistir uma palestra, que não consegue entender uma ou outra palavra que o palestrante está falando, o que dificulta a compreensão da mensagem.
   Num outro dia, alguém da sua família comenta que você está com o som da TV muito alto. O mais difícilé quando alguém pergunta alguma coisa e você responde algo que não corresponde ao que foi perguntado, o que provoca risos nos que a ouviram. Então você se convence que tem que tomar uma atitude.

No meu caso, marquei uma consulta com o médico otorrinolaringologista: Dr. Sérgio Moussalle, já amigo da família, pois cuidou das otites e amigdalites dos nossos filhos quando crianças.  Particularmente, também tenho uma longa história de amigdalites, faringites e otites que perturbaram minha infância e que ainda me acompanham a cada mudança climática, o que contribuiu para essa perda auditiva irreparável, agravada também por morar e trabalhar em escolas de bairros barulhentos.

O médico me encaminhou para uma avaliação com a fonoaudióloga: Dra. Nora Helena G. Gomes, que após avaliação me convenceu a usar os aparelhos auditivos, pois o diagnóstico foi“Perda Auditiva Neurossensorial.” Claro que eu preferia ouvir que era uma perda temporária, que passaria logo, mas após breve reflexão pensei e disse para mim mesma: “Isso tem solução com o uso de aparelhos, para de se lamentar!” E assim se passaram onze anos e o uso de aparelhos está tão inserido no meu dia a dia, como o uso de óculos!

      

   Há momentos, quando o ambiente é tranquilo e estou com um grupo pequeno, que consigo conversar sem estar usando aparelhos. Já perguntei ao meu médico se deveria fazer um curso de libras, porque me preocupa futuramente não conseguir me comunicar. Ele respondeu não ser necessário, porque essa dificuldade não vai evoluir, pois se estabilizou nos últimos dez anos.

   Há momentos do dia, que o movimento do trânsito diminui. Como há árvores na minha rua é possível ouvir o canto dos pássaros, principalmente agora, com a próxima chegada da primavera. Gosto de ficar na sacada para ouvi-los ou acompanhar seus voos num trabalho incansável, trazendo pequenos galhinhos no bico para construir um ninho. É maravilhoso poder ouvir a natureza! É poesia ao vivo e a cores!

  Quando o silêncio invade a noite e todos já se recolheram, um som insiste em chamar a minha atenção: o som é de uma ventania lá fora, como se uma tempestade estivesse se aproximando e descabelando as árvores! As primeiras vezes que ouvi, levantei e fui até a janela! Para minha surpresa, a noite estava tranquila e as árvores lá fora nem se moviam, talvez para não acordar os pássaros que ali dormiam! Então, senti uma melancolia, talvez saudade de mim mesma, saudade da jovem sonhadora que já fui um dia.

   Curiosa com essa sensação estranha, perguntei ao médico sobre esse som que ouço no silêncio da noite. Ele não se mostrou surpreso e respondeu:

  – Isso é assim mesmo! Não se preocupe.

   Então, preciso conviver com esse som que é só meu. Para ficar mais leve, diante da sensação de ouvir a ventania que me traz a saudade de mim mesma, penso na canção do RobertoCarlos que diz: Das lembranças que eu trago na vida /Você é a saudade que eu gosto de ter /Só assim sinto você bem perto de mim outra vez.” Eva Alda M. Cavasotto’ Set/2021

* Eva Alda Medeiros Cavasotto é Professora e Psicopedagoga / E-mail: evamcavasotto@hotmail.com