Felizes para sempre ou até que o celular os separe?

* Por Eva Alda Medeiros Cavasotto – Professora e Psicopedagoga

  Tom estava radiante com a sua Rosa Azul na lapela. Entrando com sua mãe na igreja e caminhando em dire-ção ao altar, parecia estar vivendo um sonho! Ainda estava sob o efeito da surpresa da aparição da menininha descalça, no meio de toda aquela chuvarada, que sorrindo e piscando o olho, lhe alcançou uma Rosa Azul. Poucos minutos depois, ouviu-se a marcha nupcial e entrou Nina, a noiva sorrindo para todos, pelo braço do pai, orgulhoso da sua linda filha.

    A cerimônia foi emocionante ao som da música “eu sei que vou te amar”de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. A melodia, envolvendo aquela cena de romantismo, aqueceu o coração dos presentes e, criou naquele ambiente sagrado um clima de esperança de que ser feliz é possível!
   
   Era um sábado chuvoso, mas tanto os noivos como os convidados irradiavam uma alegria intensa!
   
   Após muitas fotos dos noivos e dos noivos com os convidados, foi servido um delicioso jantar. Depois, ao som das músicas da época, os noivos dançaram e brincaram com seus convidados, o que contribuiu para a festa ter sido inesquecível.
   
    Enfim, partiram para a lua de mel levando a certeza que seriam “Felizes para sempre!”
   
    Felizes para sempre ou até que o celular os separe?
   
    Ao voltar da lua de mel, o casal foi morar no estado vizinho devido aos compromissos profissionais do noivo.
   
     Tudo parecia perfeito para que aquela união desse certo!
   
      Regularmente, vinham a Porto Alegre visitar os pais de ambos, bem como reencontrar os amigos!
   
    Nessas visitas, estranhava-se que na programação dos passeios, o casal dividia-se. Tom tem um grupo de amigos inseparáveis e metódicos: os encontros acontecem sempre no mesmo bar, tomam a mesma cerveja, talvez repitam as mesmas piadas que os fazem rir até a madrugada, sem deixarem de interagirem nos aplicativos.
   
    Enquanto isso, Nina encontrava-se com as amigas ou passeava no shopping com a mãe. Estranhava-se que não saiam juntos para um jantar, cinema ou mesmo algum show, já que ambos demonstravam apreciar esse tipo de programa.
   
    O tempo foi passando, Nina engravidou e ganharam um menino lindo! Nina se dedicou de corpo e alma para aquele bebê. Ela sempre desejou ser mãe, evidenciava esse desejo ainda criança, quando sua brincadeira preferida era com suas bonecas.
   
    Nas vindas à Porto Alegre, Nina ficava na casa da mãe com o bebê. Tom descia do carro com o celular na mão se comunicando com os amigos que já o esperavam no bar. Largava as malas rapidamente na entrada da porta da sogra, que pedia que ele as levasse para o quarto. Muitas vezes, os sogros estavam os esperando com um churrasquinho ou uma pizza, mas Tom não ficava, pois já havia combinado ir ao encontro do seu grupo de amigos.
   
   O tempo passou muito rápido. O bebê cresceu e se tornou um menino lindo e inteligente, que atinge todos os objetivos da escola previstos para a sua faixa etária.
   
    Nina, com o filho já com maior autonomia, decidiu e concluiu com sucesso a faculdade de Direito, sua segunda faculdade, sempre com o desejo de crescer profissionalmente.
     
    Nas suas visitas aos pais em Porto Alegre, não demonstravam que estivesse aconte-cendo uma possível crise na vida do casal. Porém, algo chamava a atenção dos pais de Nina: o uso excessivo e compulsivo do celular pelo casal.
   
A mãe de Nina escreveu uma trova e recitou pra eles:
“Uma nova escravidão
Ronda a turma moderninha
Que só dá mesmo atenção
Para as redes da telinha!”
   
   Ao ouvirem isso, o casal ficou muito brabo! Os dois negaram que abusavam do uso do celular. A reação deles foi típica de quem já está com um transtorno de dependência! No caso da dependência do celular chama-se “nomofobia” (nomofobia é o medo irracional de estar sem o aparelho celular, de modo que sintomas físicos e psicológicos apareçam e tirem o indivíduo de seu estado normal com a ausência de seu vício)”. Essa situação não passou despercebida, pelo filho que já estava com oito anos, pois num sábado à noite, quando a família estava reunida para jantar uma pizza, o menino observava os pais que estavam concen-trados no celular. Com um binóculo de brinquedo, ele percorria o ambiente. Percebendo a observação do menino, a mãe perguntou:

– O que estás vendo, meu filho?
Prontamente o menino respondeu:
-Estou vendo uma mulher muito bonita e um homem que não sabe aproveitar a vida!
Ouvindo isso, o pai levantou-se e foi para o seu quarto.
   
   O tempo foi passando e, a cada vinda para a capital, a cena se repetia: Ao chegarem na casa dos avós maternos, sempre com o celular na mão, Tom mal os cumprimentava, pois já estava interagindo com os amigos que o aguardavam no bar.
   
    Nina e o filho ficavam com os avós, jantavam, conversavam um pouco e depois iam dormir. Tom voltava mais tarde e, no outro dia mostrava-se cansado e indisposto para passear com Nina e com seu filho.
   
     Os avós nada podiam fazer diante daquele casal, que só interagiam através do celular; muitas vezes, tornaram-se inconvenientes ao usarem o celular durante as refeições.
   
    Ao receberem a visita dos avós paternos, a todo instante Tom se afastava ou se refugiava num canto do sofá para interagir nos aplicativos, justificando que eram assuntos profissionais!
 
      O tempo foi passando… e como passa rápido!
   
    Os pais de Nina, impotentes diante do casal, viam aquele amor tão bonito sendo ameaçado por aquele aparelhinho, aparentemente inofensivo. Não viam uma troca de carinho ou uma troca de olhares apaixonados! Apenas aquela ansiedade em manusear o celular!
   
    Então veio a Pandemia! Com a Pandemia um maior isolamento. O clube da cidade fechou, o shopping também não abriu …a cidade vazia!
   
    No final de semana, Tom avisou que viria para o RS para o encontro com os amigos na praia! Nina ficou com o menino na casa que amava muito, mas sentiu-se muito só! Ele voltou no final de domingo e cada um seguiu sua vida, sem desgrudar do celular. Tom trancava-se no quarto para não ser interrompido na sua interação com os aplicativos!

     Passaram-se alguns dias…Nada acontecia além daquelas notícias tristes sobre a pandemia que atingiu a todos!
   
     Então veio mais um fim de semana. Tom novamente deixou Nina e o filho e veio ao encontro dos amigos no RS.
   
    Enquanto isso, Nina refletia sobre a sua vida: O que ela fazia lá naquela cidade, onde nunca se sentiu acolhida? Sentia-se só! Muito só!…Amava aquele jardim que cultivou por tanto tempo! Por que Tom a deixava lá e vinha passar o fim de semana com os amigos?
     
      E então, Tom viajou pela terceira vez para encontrar seus amigos!
   
      Cansada daquela solidão, Nina não via mais motivo pra ficar.
      Passou uma mensagem para sua mãe no What’sApp:
“Mãe, estou voltando pra casa!”

* Eva Alda Medeiros Cavasotto é Professora e Psicopedagoga / E-mail: evamcavasotto@hotmail.com